Após sentir dores de cabeça e ser diagnosticado com hemorragia intracraniana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva precisou passar por uma trepanação na madrugada desta terça-feira, 10, no Hospital Sírio-Libanês, na capital paulista. De acordo com a instituição, o chefe do Executivo está bem e segue internado na unidade de terapia intensiva (UTI).
A hemorragia intracraniana, conforme explica o neurologista Diogo Haddad, líder do Centro Especializado em Neurologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, refere-se a qualquer tipo de sangramento dentro do crânio. A condição ocorre porque, após lesões na cabeça, o sangue pode se acumular lentamente sob a membrana que cobre o cérebro, formando um coágulo. No caso de Lula, a hemorragia tem relação com o acidente doméstico sofrido pelo presidente em 19 de outubro.
O que é trepanação?
A trepanação é um procedimento cirúrgico que consiste na perfuração do crânio com o objetivo de acessar o cérebro, explica André Gentil, neurocirurgião do Hospital Israelita Albert Einstein. É uma técnica utilizada no tratamento de diversas condições neurológicas que exigem intervenção direta para alívio de pressão, drenagem de sangue ou fluidos.
Eberval Gadelha Figueiredo, professor de neurocirurgia na Universidade de São Paulo (USP) e diretor do Serviço de Neurocirurgia do Hospital das Clínicas, explica que, ao contrário de uma craniotomia, não há remoção de parte do osso e a região afetada é acessada por um pequeno orifício no crânio, de cerca de 0,5 cm a 0,8 cm. A operação recebe esse nome justamente porque é realizada com o uso de uma broca cirúrgica ou de um aparelho chamado “broca de trépano”.
O professor conta que a cirurgia é bastante conhecida e remonta ao Antigo Egito. “Se acreditava antigamente que, se fizesse uma trepanação, ou seja, um orifício no cérebro, os maus espíritos sairiam do cérebro, da cabeça dos pacientes, e assim eles seriam curados de doenças mentais ou epilepsia, por exemplo.”
Em casos de hemorragia intracraniana, como ocorreu com Lula, a técnica é usada para aliviar a pressão no cérebro, drenando o sangue acumulado. “Isso visa evitar danos cerebrais adicionais, estabilizar o quadro clínico do paciente e prevenir complicações graves, como a herniação cerebral”, explica Bruna Proença, neurologista do Hospital Nove de Julho.
Além de casos de hemorragia intracraniana, como hematomas subdurais agudos ou crônicos, o procedimento é indicado em situações de pressão intracraniana elevada ou no tratamento de complicações pós-operatórias em procedimentos neurológicos.
Na prática, a trepanação ocorre da seguinte forma: o paciente é anestesiado, o cirurgião faz uma incisão no couro cabeludo e o osso do crânio é perfurado com uma broca. Assim, o cirurgião trata a área afetada do cérebro, o que pode envolver a remoção do sangue acumulado ou de um coágulo. Após o procedimento, o local é fechado.
Quais os riscos? Há sequelas?
Embora a trepanação seja considerada um procedimento seguro, algumas complicações podem surgir. Os médicos citam infecções no local da perfuração ou no espaço cerebral, volta do sangramento ou hematoma, lesões cerebrais devido à pressão ou ao próprio procedimento.
As sequelas podem incluir ainda comprometimento neurológico, como problemas de memória, dificuldades cognitivas, mudanças de humor ou fraqueza motora, dependendo da gravidade da hemorragia e da resposta ao procedimento.
Como é a recuperação?
“A recuperação é muito rápida”, diz Figueiredo. “Em geral, são anestesias breves. O procedimento dura muito pouco tempo e, dentre os procedimentos neurocirúrgicos que fazemos, é um dos mais simples”, completa.
Depois do procedimento, o paciente é acompanhado por alguns dias na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Por volta do terceiro ou quarto dia de internação, ele pode receber alta hospitalar para continuar o acompanhamento de forma ambulatorial, explica Wuilker Knoner Campos, presidente da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia (SBN).
A recuperação total, com reabilitação em casa, leva entre semanas e meses, com o paciente devendo retornar ao hospital uma vez por mês para realizar tomografia. O tempo depende do motivo da cirurgia e da saúde do paciente.
Fatores como idade, condições clínicas e uso de medicamentos podem afetar significativamente a recuperação, assim como problemas como hipertensão, diabetes e doenças que comprometem a coagulação, como hemofilia.
Pacientes que tomam anticoagulantes (como varfarina ou rivaroxabana) ou antiagregantes (como aspirina e clopidogrel) têm maior risco de retorno do sangramento e de precisar de uma nova intervenção. Pessoas com histórico de alcoolismo também apresentam maior risco de complicações e pior prognóstico.
Após o procedimento, os pacientes devem evitar atividades intensas e seguir as orientações médicas rigorosamente. Isso inclui tomar medicamentos prescritos, comparecer a consultas de acompanhamento e, com frequência, realizar sessões de fisioterapia ou terapia ocupacional.
Colaboraram Luciana Garbin e Victória Ribeiro