Um estudo divulgado nesta semana pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) detectou a presença de altos níveis de arsênio na urina de crianças da cidade de Brumadinho (MG).
Os pesquisadores também observaram a presença de metais pesados nas amostras coletadas junto a moradores, além de taxas elevadas de doenças respiratórias e diagnósticos de depressão e ansiedade na população, em diferentes faixas etárias.
A pesquisa é conduzida pela Fiocruz desde 2021 e foi iniciada em razão do desastre causado pelo rompimento da barragem da Vale na cidade, que provocou a morte de 272 pessoas. A tragédia completou seis anos no último sábado, 25.
Elementos tóxicos
Os pesquisadores acompanharam 2.825 participantes, sendo 130 crianças, 175 adolescentes e 2.520 adultos. Entre o primeiro ano da análise e a última coleta de dados, em 2023, o percentual de crianças com níveis altos de arsênio no corpo passou de 42% para 57%. O elemento também foi detectado em 20% dos adultos e 9% dos adolescentes.
A Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (Iarc) classifica o arsênio como cancerígeno para o ser humano. De acordo com a Ficha de Informação Toxicológica (FIT) da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), a exposição crônica ao elemento por ingestão de água, por exemplo, está relacionada a aumento do risco para câncer de pele, pulmão, bexiga e rins.
Segundo Sérgio Peixoto, pesquisador da Fiocruz e coordenador-geral do estudo, nas áreas onde há maior nível de arsênio, há também um aumento de problemas no sistema respiratório. No entanto, não é possível afirmar que o elemento seja a causa do quadro. O ambiente geral, com exposição a metais e poeira devido à continuidade da mineração na região, pode estar propiciando esses efeitos.
Além disso, 100% das amostras apresentaram chumbo e mercúrio, sendo 6,8% com níveis acima dos limites definidos pelo Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) do Brasil. “Pode ser que essa dosagem baixa não cause danos ao organismo. Mas, mesmo que em níveis pequenos, isso significa que o metal está disponível no ambiente, o que pode ser preocupante ao longo do tempo”, diz. Também foram identificadas amostras com cádmio e manganês.
Cabe destacar que os resultados demonstram uma exposição aos materiais e não uma intoxicação, que só pode ser apontada mediante avaliação clínica e a realização de outros exames. Para Peixoto, são necessários mais estudos para compreender como a presença desses elementos afeta a saúde da população — e por que os níveis continuam subindo.
O esperado era que a presença desses elementos na população e no solo diminuísse com o tempo, mas os resultados contrariam tal expectativa. “O nível de manganês reduziu, mas o arsênio continua se elevando”, lamenta Peixoto.
Como não foram feitos estudos anteriores ao rompimento da barragem, não é possível saber se a população já era exposta a esses materiais por ser uma área tradicionalmente dedicada à mineração ou se a tragédia levou ao aumento dos níveis. A ausência de histórico também inviabiliza tentativas de quantificar o tempo de exposição aos elementos tóxicos e seus efeitos.
Saúde mental
O estudo também fez uma avaliação da saúde mental dos moradores, com perguntas sobre o diagnóstico de algumas condições.
Entre os adolescentes, 10,6% relataram diagnóstico de depressão. Entre os adultos, 22,3% reportaram ter a doença – taxa superior ao nível nacional, estimado em 10,2% na Pesquisa Nacional de Saúde de 2019.
Diagnósticos de ansiedade ou de distúrbios do sono foram reportado por 32,7% dos entrevistados com mais de 18 anos de idade.
“Os transtornos depressivos e ansiosos continuam muito elevados. Pode haver uma falsa impressão de que, a partir do momento que você se distancia do evento, as coisas vão se ajeitando em relação ao sofrimento, mas não é isso que observamos”, reflete Peixoto.
Após a divulgação dos resultados da Fiocruz, integrantes do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB) defenderam a necessidade de um protocolo de saúde para o acompanhamento dos moradores.
“Precisamos de um protocolo específico para enfrentar esse cenário. Estamos muito preocupados porque cada vez o nível de contaminação aumenta no sangue das pessoas, nos animais, em todas as plantas. Tudo isso traz problemas sérios de saúde”, disse Joceli Andrioli, integrante da coordenação do MAB, em entrevista à Agência Brasil.