O câncer do colo do útero é uma doença implacável – e também desigual. Das 40 mil mulheres nas Américas que morrem da doença a cada ano, mais de 80% vivem na América Latina e no Caribe, com mais casos em países e comunidades com menos recursos.
Graças a algumas descobertas científicas cruciais nas últimas décadas, agora temos ferramentas altamente eficazes. Destaco as vacinas contra o HPV – que previnem quase todos os casos da doença – e as novas opções de exames e tratamento, que nos aproximam mais do que nunca da eliminação do câncer do colo do útero.
Mas as mulheres na América Latina e no Caribe estão sofrendo e morrendo de câncer do colo do útero porque não têm acesso a essas ferramentas. Esta terrível injustiça deve ser enfrentada.
Temos os instrumentos para tornar o câncer do colo do útero uma mazela do passado, mas precisamos garantir que elas alcancem cada menina e mulher em toda a região – um objetivo no qual estou confiante que podemos alcançar com um foco renovado em três desafios principais.
+ Leia também: Câncer de colo do útero: pouco mudou em 25 anos
Uma análise mais detalhada das desigualdades no acesso aos cuidados revela a necessidade urgente de os países desenvolverem abordagens inovadoras para alcançar as mulheres e meninas mais vulneráveis.
+ Leia também: Teste molecular para HPV: o que é, vantagens e desvantagens
Em segundo lugar, os países precisam de estratégias claras e inovadoras para expandir a cobertura de ferramentas que salvam vidas em toda a região. Uma das melhores táticas à disposição para fazer isso é o cronograma de vacinação em dose única.
Em 2022, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou novos dados de que uma dose da vacina contra o HPV é comparável em eficácia a duas ou três, na população mais jovem, permitindo que os países protejam mais meninas com menos obstáculos logísticos e com custo reduzido.
A região da América Latina e Caribe tem sido líder mundial na implementação dessa estratégia. A Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) tornou-se o primeiro escritório regional da OMS a endossar o regime em 2023 e, desde então, oito países adotaram as orientações de uma dose única de vacina em seus programas nacionais de imunização. O Brasil não está entre essas nações ainda.
Aumentar o acesso a exames para diagnóstico do câncer do colo do útero também é fundamental para detectar a doença precocemente. O teste de HPV de alto desempenho foi recomendado pela OMS no ano passado como uma maneira mais simples e econômica de fazer o rastreamento do que métodos comuns, como o exame de Papanicolau.
+ Leia também: Colposcopia: para que serve e como é feita
O rastreamento oportuno e preciso do câncer do colo do útero salva vidas, especialmente daquelas que não estão protegidas pelas vacinas, mas o acesso ainda é limitado em algumas regiões . Se mais países se comprometerem a implementar o teste de HPV, mais mulheres terão chance de sobreviver à doença.
Em terceiro lugar, os líderes devem assumir sua responsabilidade. O mundo chegou a um ponto de virada na luta contra o câncer do colo do útero, por isso precisamos de compromissos políticos e financeiros sólidos de líderes de todos os setores – governos, investidores, profissionais de saúde, sociedade civil e outros.
Também precisamos de uma comunicação clara de nossos líderes para ajudar a dissipar a desinformação e concepções equivocadas sobre as vacinas contra o HPV e o câncer do colo do útero, que representam uma séria ameaça à eliminação na América Latina e no Caribe.
Em maio do ano passado, ajudei a lançar a Declaração Global para Eliminar o Câncer do Colo do Útero ao lado de doze importantes especialistas em saúde pública, cientistas e médicos. A iniciativa pede ação urgente para acabar com o câncer do colo do útero globalmente, melhorando o acesso a vacinas, exames e tratamento.
Desde então, recebeu o apoio de mais de 20,5 mil porta-vozes da saúde em 151 países, incluindo alguns dos líderes globais, como o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, e o diretor da Opas, o brasileiro Jarbas Barbosa de Silva.
A eliminação do câncer de colo do útero está ao nosso alcance, tanto na América Latina e no Caribe, quanto globalmente. Trabalhando juntos, podemos fazer história ao viabilizar um mundo onde nenhuma mãe, filha, irmã ou amiga perca a vida para esse tumor maligno.
*Luisa Lina Villa é chefe do laboratório de Inovação em Câncer do Centro de Investigação Translacional em Oncologia do Icesp. É membro titular da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Mundial de Ciências, além de comendadora da Ordem Nacional do Mérito Científico.