Câncer: prevenção e tratamento dependem de fatores sociais, e não só de estilo de vida, diz estudo

Medicina Notícias

Um estudo realizado por pesquisadores da rede internacional de pesquisa The Political Stakes of Cancer (Desafios Políticos do Câncer) ressalta a importância de se considerar os aspectos sociais ao abordar o combate e a prevenção dos diversos tipos de câncer. Hoje, há muita ênfase em questões ligadas aos hábitos de vida, como a qualidade da alimentação, a prática de exercícios físicos e o tabagismo.

“Quando um indivíduo descobre um câncer de pulmão, por exemplo, as pessoas normalmente procuram explicações para esse adoecimento a partir do estilo de vida individual: ‘Foi porque fulano bebeu muito, fumava e era sedentário’. Embora esses enunciados sobre fatores de risco estejam corretos, o artigo mostra que existem elementos sociais que são muito fortes e dramáticos”, aponta Luiz Alves Araújo Neto, historiador e coordenador-adjunto do Observatório História e Saúde, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que participou da pesquisa.

O trabalho foi conduzido entre 2015 e 2023, quando uma equipe interdisciplinar composta majoritariamente por historiadores e antropólogos revisou dados e conversou com pacientes oncológicos no Brasil, Quênia, Tanzânia, Uganda, Índia, Rússia e Espanha a fim de entender melhor os efeitos da realidade social no tratamento da doença. O artigo é resultado dos levantamentos feitos nesses sete países. Por aqui, as investigações foram conduzidas na sede do Instituto Nacional de Câncer (Inca), Rio de Janeiro.

O estudo ainda mostrou como certos tabus que envolvem o surgimento ou o diagnóstico do câncer podem atrapalhar o tratamento da doença, levando até mesmo ao seu abandono.

Desigualdades sociais, como dificuldade de acesso a exames de rastreamento, devem ser levadas em conta ao se discutir o combate ao câncer.  Foto: Duangjit/Adobe Stock

Para além das escolhas individuais

Para Araújo Neto, jogar a responsabilidade pelo surgimento de um câncer apenas no paciente pode acabar deixando de lado ou mascarando fatores mais complexos relacionados à doença. Ele lembra que, no caso dos cânceres de colo de útero e mama, a falta de acesso a exames de rastreamento é um entrave ao diagnóstico. As mulheres negras foram apontadas pelo pesquisador como a parcela mais prejudicada nessas situações.

O oncologista Gustavo Fernandes, coordenador do Comitê de Políticas Públicas da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), chama a atenção ainda para a falta de informação e instrução sobre câncer, referindo-se também ao tumor de colo de útero: “É uma doença realmente prevenível. A maior parte dos casos é relacionada ao HPV. Hoje, temos a chance de vacinar o indivíduo [contra o vírus HPV], inclusive na rede pública. A gente também pode educar sobre o uso de preservativo e detectar lesões precoces através do exame de papanicolau. Então, quando vemos um tumor de colo de útero avançado, significa que falhamos“.

“A questão do tabu é real”, comenta Fernandes. Segundo ele, o Brasil é um país conservador e, por isso, acaba instruindo mal os adolescentes. “Muitas vezes, os pais têm a sensação de que, se vacinarem o filho ou a filha, estão autorizando o início da vida sexual deles, o que não tem nada a ver”, comenta. Vale destacar que o HPV é um vírus transmitido sobretudo por via sexual – daí a resistência em relação à vacina, que é oferecida na rede pública a meninas e meninos de 9 a 14 anos.

Para Fernandes, passamos muito tempo incentivando as pessoas a cuidarem de hábitos de vida e realizarem exames, mas aspectos sociais e governamentais também precisam ganhar visibilidade. Em mais um exemplo, ele cita que o Brasil deveria aumentar a carga tributária de produtos como álcool e cigarro, que são fatores de risco significativos para o desenvolvimento de câncer.

A fisioterapeuta Ana Cristina Oliveira, doutora em saúde coletiva e pesquisadora no Grupo de Pesquisa de Políticas de Saúde e Proteção Social da Fiocruz de Minas Gerais, chama a atenção ainda para o fato de que muitos centros especializados em câncer estão localizados em grandes cidades. “Temos uma população com menor poder aquisitivo residindo em regiões mais distantes desses locais”, observa. Isso colabora para que as pessoas não consigam descobrir a doença em estágio inicial. “Então, temos aí um problema geográfico que limita o acesso ao tratamento.”

Outro ponto levantado pela especialista é que, apesar de termos muita pesquisa na área de biologia molecular, é preciso investir na contextualização e interpretação dos dados. Caso contrário, teremos dificuldade em implementar políticas públicas contra a doença. Ela diz que, hoje, temos pesquisadores no Brasil com esse comprometimento de trazer as questões dos determinantes sociais da saúde e do racismo para os estudos sobre câncer, para mostrar, através dos dados, que há um impacto direto da desigualdade socioeconômica na doença. “A política pública só vai acontecer a partir de dados”, resume.

Fonte: Externa

BRAIP ads_banner