São números recordes: o Brasil já passou de 1,6 milhão de casos prováveis de dengue em 2024, com 450 mortes confirmadas e outras 850 sob investigação. O mais lamentável é que boa parte dos casos poderiam deixar de ocorrer com o cuidado básico de eliminar pontos de proliferação do mosquito Aedes aegypti e quase todas as mortes seriam evitáveis com agilidade e qualidade na assistência prestada.
A dengue costuma envolver febre alta, acima de 39ºC, e pelo menos mais duas entre essas manifestações: dor de cabeça, dor atrás dos olhos, dores musculares, dores articulares e prostração. Esse quadro indica a necessidade de procurar imediatamente um serviço de saúde. Não se deve recorrer à automedicação, pois analgésicos e antitérmicos como aspirina e ácido acetilsalicílico (AAS) podem alterar a coagulação e agravar o quadro.
“Todo paciente com suspeita de dengue deve ser acompanhado por uma equipe multidisciplinar”, diz Julio Croda, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Ele acrescenta que a equipe deve pedir retorno do paciente a cada 24 ou 48 horas para avaliar eventuais sinais de alarme de que a hidratação oral se tornou insuficiente, sendo necessária a hidratação endovenosa.
Um aspecto especialmente cruel da dengue é que as complicações costumam ocorrer quando a situação parece estar sob controle. É após o declínio da febre, entre o terceiro e o sétimo dia da doença, que uma eventual piora costuma se manifestar, como resultado do extravasamento de plasma dos vasos sanguíneos ou de hemorragias. Alguns dos sintomas da piora são dores abdominais intensas e contínuas, vômitos persistentes, letargia, inchaço do fígado e sangramentos.
Do total de casos registrados este ano, o Ministério da Saúde classificou 13.112 como graves, o que corresponde a 0,8% do total registrado – ou um caso a cada 125. A dengue pode atingir qualquer pessoa, mas os riscos de complicações são maiores na faixa até 16 anos e acima dos 65 anos, em portadores de doenças crônicas, como diabetes e hipertensão arterial, e em grávidas e lactentes. Outro fator de risco envolve quem já teve dengue – a reinfecção traz um potencial maior de gravidade, já que a resposta imunológica dada a um dos subtipos do vírus influencia como o organismo enfrentará outro subtipo.
Para quem já teve dengue, os especialistas recomendam buscar na rede privada a vacina, liberada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para a faixa entre 4 e 60 anos. As dificuldades são a alta procura e o preço, próximo a R$ 1 mil para as duas doses.
Mesmo com o início da vacinação contra a dengue, incorporada ainda em pequena escala à rede pública brasileira no final do ano passado – a prioridade está sendo dada à faixa entre 6 e 16 anos, de acordo com diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS) –, a ação fundamental para controlar a doença continua sendo o combate aos focos de água parada. A proteção deve incluir, também, o uso de telas nas janelas e a aplicação de repelentes – o tipo mais eficaz contra o mosquito transmissor é o que contém icaridina, substância derivada da pimenta.
Como diferenciar dengue, zika e chikungunya
Um dos fatores que levam ao agravamento da dengue é a confusão com outras doenças, como enxaqueca, gripe, alergia, sinusite, infecção intestinal ou covid-19, além de chikungunya e zika, também transmitidas pela picada da fêmea do mosquito Aedes aegypti.
Como o calor é um fator que impulsiona o nível de atividade dos mosquitos, as chamadas “arboviroses” (grupo de doenças virais transmitidas por artrópodes, como mosquitos e carrapatos) tendem a se disseminar cada vez mais num cenário de aquecimento global e temperaturas gradualmente mais elevadas. “Estamos vivendo o ano mais quente da história da humanidade, mas ao mesmo tempo é o ano mais fresco dos próximos anos”, avalia Eder Gatti, diretor do Programa Nacional de Imunização (PNI) do Ministério da Saúde.
As três doenças têm alguns sintomas semelhantes, mas com peculiaridades que ajudam a diferenciá-las. Os principais diferenciais clínicos da infecção por chikungunya são dor articular incapacitante e edemas nas articulações doloridas, além de coceiras e manchas vermelhas pelo corpo. Casos graves podem causar doença neuroinvasiva, caracterizada por agravos neurológicos, como encefalite, mielite, síndrome de Guillain-Barré e paralisias. Em cerca de metade dos casos de chikungunya, as dores nas articulações tornam-se crônicas e podem permanecer por anos.
A chikungunya, que vem se espalhando pelo país ano a ano, apresenta um índice de mortalidade maior que o da dengue – uma morte confirmada ou suspeita a cada 885 casos, contra uma a cada 1.230 casos de dengue. Neste ano, de acordo com os dados oficiais, são quase 80 mil casos de chikungunya, fortemente concentrados em Minas Gerais, com 31 mortes confirmadas e 58 sob investigação.
Em relação à zika, a maioria das infecções são assintomáticas ou se limitam a um estado febril semelhante ao causado pelas infecções por chikungunya e dengue, mas num patamar reduzido, abaixo de 38,5ºC. Um sintoma típico é o exantema (erupções avermelhadas na pele). Há a associação dessa infecção viral com complicações neurológicas, a exemplo de microcefalia congênita e síndrome de Guillain-Barré. Neste ano, as estatísticas oficiais do Ministério da Saúde indicam 1.318 casos de zika, quase todos concentrados no Espírito Santo, sem registro de morte.
Os números da dengue este ano
● 55,5% dos casos atingiram mulheres
● Um a cada 125 casos se torna grave
● Uma morte (comprovada ou suspeita) a cada 1.230 casos
● A faixa dos 20 aos 49 anos concentra 50,6% dos casos
● 29,2% dos casos atingiram pessoas com menos de 20 anos
● 20,2% dos casos atingiram pessoas acima de 49 anos
● Minas Gerais tem o maior número de casos, 33,5% do total
● A maior incidência é no Distrito Federal: 4.918 casos por 100 mil habitantes
● O Distrito Federal tem também o maior número de óbitos, 24,2% das mortes confirmadas
Fonte: Ministério da Saúde