Entrar em um centro cirúrgico é motivo de tensão para muita gente. Calcula-se que quase metade daqueles que estão à espera de uma operação sintam ansiedade antes do procedimento. Pudera! Nessas horas, é comum o medo de complicações e até de problemas com a anestesia.
Em casos mais radicais, há até quem deixe de tratar uma condição com clara indicação cirúrgica por resistência ao bisturi — uma aversão pouco diagnosticada e tratada chamada tomofobia.
O fato é que, com mais ou menos sorte, é bem difícil evitar a experiência em algum momento da nossa trajetória. Segundo estimativas americanas, uma pessoa passará, em média, por sete cirurgias ao longo da vida.
Nem sempre, porém, a operação é o melhor caminho para resolver as coisas. Uma revisão de estudos assinada por pesquisadores australianos indica que, em países de baixa e média renda (como o nosso), há um volume maior de cirurgias que trazem pouco ou nenhum benefício.
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O universo das cirurgias vive às vezes um paradoxo: de um lado, procedimentos que podiam ser evitados; do outro, aqueles que precisariam ser feitos, mas são inacessíveis ou continuamente postergados.
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Para avaliar a segurança de uma cirurgia, o primeiro passo é submeter o paciente a uma bateria de exames. “Avaliamos a função cardíaca, hepática, renal, imunológica… Além de levarmos em conta comorbidades como diabetes, hipertensão e outras condições crônicas”, lista o cirurgião cardiovascular Fabio Gaiotto, da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp).
A partir dessa análise, o risco cirúrgico é calculado e comparado com o de não realizar o procedimento — decisão com frequência compartilhada entre especialistas.
Há o cirurgião-chefe, que planeja e executa a missão; os assistentes, que apoiam o líder nas incisões e afins; os instrumentadores, encarregados dos materiais; os circulantes e profissionais de enfermagem, prestando suporte ágil a todos; e os anestesistas.
“Além de sermos responsáveis por determinar e aplicar a anestesia adequada antes da operação, ficamos o tempo todo de olho nos sinais vitais do paciente e o acompanhamos no pós-operatório”, explica Luis Antonio dos Santos Diego, presidente da Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA). Com o paciente sedado, o show da cirurgia começa.
Fila de espera
Cirurgias dispensáveis, feitas em grande número. E cirurgias essenciais, mas impossíveis de realizar (pelo menos com a agilidade necessária), sobretudo na rede pública. Eis uma realidade no Brasil.
Segundo dados do Ministério da Saúde, mais de 1 milhão de pessoas estavam na fila de espera do Sistema Único de Saúde (SUS) para se submeter a cirurgias eletivas no primeiro semestre de 2023. A maior parte da demanda reprimida estava concentrada em Goiás (quase 126 mil pacientes), São Paulo (111 mil) e Rio Grande do Sul (108 mil). Já os estados com as menores filas foram Roraima (3,5 mil) e Rondônia (mil).
A remoção de catarata é a operação mais requisitada. No início do último ano, 167 mil brasileiros estavam aguardando a correção do cristalino, a parte do olho que fica opaca com a idade.
“É um procedimento que será cada vez mais procurado devido ao envelhecimento da população”, prevê Cesar Motta, diretor da Sociedade Brasileira de Oftalmologia (SBO).
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Entre outras cirurgias com grandes listas de espera, aparecem a retirada de vesícula biliar (chamada de colecistectomia, com 141 mil casos), de hérnias abdominais (63 mil), laqueaduras (42 mil), histerectomia total (35 mil aguardando remoção completa do útero), vasectomia (29 mil), circuncisão (28 mil) e tratamento cirúrgico de varizes (25 mil).
Para diminuir a espera, o governo federal lançou em fevereiro de 2023 o Programa Nacional de Redução das Filas de Cirurgias Eletivas, Exames Complementares e Consultas Especializadas (PNRF). Por meio do plano, 600 milhões de reais foram destinados aos 26 estados e ao Distrito Federal para agilizar a assistência em todo o país.
Nos primeiros oito meses de implementação do projeto, 350 mil cirurgias foram realizadas. A meta é chegar a 487 mil operações neste mês, quando o programa completa um ano. Isso resolveria 45% dos casos na fila de espera. Já considerado um sucesso, o PNRF foi renovado para 2024 e terá o dobro do orçamento inicial.
Menos invasivas
O investimento em novas tecnologias também é necessário para acelerar o atendimento e garantir mais segurança aos pacientes. A videolaparoscopia é um recurso já bem consolidado, que permite a realização de operações pouco invasivas, reduzindo riscos. Por pequenos furos, são inseridos os instrumentos necessários ao procedimento e uma câmera, que mostra aos cirurgiões o que está acontecendo dentro da pessoa na mesa cirúrgica.
Um passo à frente está a cirurgia robótica, que utiliza braços robóticos, controlados por médico treinado, para manejar os instrumentos. Tendência que, apesar dos desafios financeiros, tem tudo para ganhar terreno.
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“Nos últimos cinco anos, o número de procedimentos robóticos cresceu mais de 400% no Brasil, somando 88 mil cirurgias. Ainda assim, há muito a ser feito para aumentar o acesso à tecnologia”, afirma Mario Ferradosa, representante na América Latina da inglesa CMR Surgical, que se destaca por um modelo compacto de robô cirúrgico, o Versius, presente em hospitais privados nacionais.
Independentemente da presença ou ausência de robôs na sala de cirurgia, o conjunto de técnicas que diminuem a necessidade de cortes e intervenções drásticas é denominado minimamente invasivo.
“Essas cirurgias contribuem para a diminuição dos riscos durante e após a operação, pois são muito minuciosas, detalhadas e com incisões pequenas. Há menos sangramento e agressão aos tecidos e, com isso, a recuperação é mais rápida e menos dolorosa”, resume o hepatologista e cirurgião Guilherme Berenhauser Leite, que atua em hospitais paulistanos.
Esses sistemas, que estão integrando cada vez mais equipes e equipamentos, também são capazes de aperfeiçoar o treinamento dos próprios profissionais — vantagem, claro, para o paciente.
“É possível criar ambientes imersivos que permitem melhorar a curva de aprendizagem dos cirurgiões e, assim, reduzir a variabilidade dos desfechos”, conta Fabrício Campolina, presidente da Johnson & Johnson MedTech Brasil. “O futuro é a cirurgia digital.”
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Outra tecnologia emergente é a de gêmeos virtuais. Já consolidada em outras indústrias, como a automotiva e a aeroespacial, a abordagem visa reproduzir o comportamento de determinado objeto em uma base digital.
Na medicina, pode ser utilizada para agilizar ensaios clínicos, prever riscos de contaminação em hospitais e até ajudar cirurgiões a estudarem casos de alta complexidade. Exames como tomografias e ressonâncias servem para escanear a parte do corpo que será operada. Então, é construído um modelo virtual do órgão no qual o cirurgião pode simular o que vai fazer na hora H.
“Isso ajuda o médico a escolher as melhores técnicas, a treinar a equipe para o que está por vir e a diminuir o tempo de cirurgia”, explica Steven Levine, que dirige o setor de modelagem virtual humana da empresa francesa Dassault Systèmes.
Por enquanto, o acesso a essas tecnologias ainda é limitado ou experimental, mas a revolução em andamento vai transformar o jeito de operar e ser operado. A aliança entre equipes bem treinadas e recursos de ponta, como robôs, realidade virtual e programas de inteligência artificial, deve tornar o centro cirúrgico um local cada vez mais seguro — e menos amedrontador.
No centro cirúrgico
Como funcionam e para quem são recomendadas algumas das operações mais populares do país
E o siso?
Nem todo mundo precisa remover os dentes lá no fundo da arcada, mas eles podem causar alguns problemas caso mantidos.
“Quando mal posicionados, os terceiros molares dificultam a higienização da boca, causam inflamação da gengiva e, ainda que raro, cistos e tumores”, avisa Adriano Germano, presidente do Colégio Brasileiro de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial. Por isso, a retirada deles serve de medida profilática.
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Operar a hemorroida?
A inflamação e o inchaço de veias ao redor do ânus é um suplício que chega a afetar até 70% da população pelo menos uma vez na vida. “O tratamento cirúrgico, porém, é indicado apenas a casos que tiveram complicações, como sangramento crônico e prolapso”, esclarece Hélio Antônio Silva, da Sociedade Brasileira de Coloproctologia. Cerca de 25 mil cirurgias de hemorroidas são realizadas todos os anos no SUS.