A constipação intestinal, também chamada de “prisão de ventre” ou “intestino preso”, é uma condição comum que afeta milhões de pessoas em todo o mundo. Caracteriza-se pela dificuldade em evacuar as fezes e, se não tratada, pode levar a diversos problemas de saúde, afetando não apenas o sistema digestivo, mas diversos outros órgãos.
A nutricionista Maria Fernanda Naufel, pós-doutora e pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), chama a atenção para uma relação muitas vezes ignorada: a constipação crônica pode ser um dos fatores que afetam e desequilibram a microbiota intestinal (conjunto de micro-organismos que habita o órgão, conhecido como “flora”) ou ter sido causada por esse desequilíbrio, chamado de disbiose.
De acordo com a especialista, ele abre as portas para um processo inflamatório que pode afetar diversos órgãos, como coração, rins e fígado, e os sistemas nervoso e imunológico. Mas os estudos nesse sentido ainda são considerados iniciais. Falta entender melhor, por exemplo, quais são as bactérias mais influentes e as intervenções eficazes para isso. É o que explica Thicianie Fauve, médica gastroenterologista e endoscopista especialista em doenças intestinais e doenças funcionais do Hospital Sírio-Libanês.
Ainda assim, há muitos avanços nesse sentido. Recentemente, um estudo publicado na Cell Reports Medicine mostrou que a frequência de evacuação impacta a microbiota intestinal e pode estar ligada a diversas doenças, como renal crônica e demência. Isso porque, segundo os cientistas, o acúmulo prolongado de fezes no intestino leva as bactérias a digerir e fermentar proteínas, provocando a produção de toxinas que podem causar problemas de saúde.
Os resultados mostraram, ainda, que há uma associação entre a menor frequência de idas ao banheiro e função renal reduzida, o que é parcialmente mediado pela toxina derivada de alguns micróbios. Já pesquisas anteriores avaliaram que a constipação pode ser um fator de risco conhecido para a gravidade da doença renal crônica e a progressão da doença renal em estágio terminal.
Essa relação entre os órgãos também foi estudada pela Clínica Satélite de Nefrologia de Sapporo, no Japão, que destacou que até 71% dos pacientes em diálise sofreram de constipação, enquanto a prevalência de constipação na população em geral foi de 14,5% em adultos com menos de 60 anos e 33,5% em adultos com mais de 60 anos.
Além disso, a disbiose também pode afetar o coração. “Quando temos essa alteração da microbiota, a digestão e absorção dos alimentos são prejudicadas e há uma inflamação que pode afetar, inclusive, o sistema cardiovascular”, explica Thicianie.
O tema foi, inclusive, alvo de um estudo publicado em fevereiro deste ano, realizado por uma equipe de pesquisadores do Broad Institute do MIT e Harvard, juntamente com o Massachusetts General Hospital. A equipe identificou espécies específicas de bactérias que consomem colesterol no intestino e podem ajudar a reduzir o colesterol e o risco de doenças cardíacas em pessoas.
Já em relação ao sistema imunológico, conforme estudo publicado no revista Nature, a microbiota humana protege o hospedeiro de patógenos externos produzindo substâncias antimicrobianas, mas também serve como um componente significativo no desenvolvimento da mucosa intestinal e do sistema imunológico.
Segundo cérebro
A relação entre a microbiota intestinal e o sistema nervoso central vem ganhando cada vez mais destaque nos últimos anos, o que rendeu ao intestino o apelido de “segundo cérebro”. Estudos demonstram que o desequilíbrio da microbiota pode estar associado a diversos distúrbios neurológicos e psicológicos.
Maria Fernanda explica que uma inflamação local, que pode ser provocada pela prisão de ventre, também pode se estender ao cérebro, gerando consequências negativas. No longo prazo, diversos estudos, em especial com modelos animais, têm demonstrado que essa relação pode levar ao aumento da incidência de distúrbios neurológicos como Parkinson, Alzheimer e esclerose múltipla, explica a nutricionista, autora de um estudo brasileiro que investigou a conexão entre esses órgãos.
Mas vale reiterar que o caminho para entender melhorar essas correlações ainda está sendo traçado. Rodrigo Moisés de Almeida Leite, gastroenterologista do Hospital Nove de Julho, explica que ainda não há muitas evidências científicas robustas sobre a interação ou benefício entre a microbiota e esses órgãos.
Apesar disso, no intestino é produzida grande parte dos neurotransmissores e seus precursores. Como aponta Maria, quando ocorre disbiose, essa produção é prejudicada, diminuindo, por exemplo, a produção de serotonina – que é 95% produzida nesse órgão, assim como outros hormônios que têm influência na melhora da depressão, por exemplo. Por isso, prejuízos à microbiota podem levar a alterações de humor.
Diversas descobertas têm levado os cientistas a estudarem o que chamam de eixo intestino-cérebro. Quando o intestino sofre, a produção dos neurotransmissores reduz e a pessoa pode ficar irritada, mal-humorada ou ansiosa.
Complicações comuns
Considerando apenas a saúde intestinal, há algumas complicações comuns da constipação, como as hemorroidas e fissuras anais. Essas são correlações mais conhecidas pela classe médica e, segundo Thicianie , ocorrem pelos seguintes motivos:
- Hemorroidas: A constipação crônica pode levar ao aumento da pressão nas veias do reto e do ânus, causando o desenvolvimento de hemorroidas. Isso ocorre devido ao esforço excessivo durante a evacuação.
- Fissuras anais: A passagem de fezes endurecidas e secas pode causar fissuras ou pequenas feridas no revestimento do ânus. Isso pode levar a dor e sangramento durante a evacuação.
- Impactação fecal: Em casos graves de constipação, as fezes podem se acumular no reto, tornando-se compactas e difíceis de serem eliminadas. Isso é conhecido como impactação fecal e pode requerer intervenção médica para remoção.
O que fazer para aumentar a frequência de idas ao banheiro
Adotar um estilo de vida saudável pode ser extremamente benéfico para pacientes com constipação crônica, promovendo o funcionamento intestinal regular e aliviando os sintomas, explica Rodrigo.
Isso inclui manter uma dieta saudável, rica em fibras e com consumo adequado de agua, prática de exercício físico, evitar medicamentos que prendem o intestino – tais como analgésicos opioides –, além do uso de suplementação ou medicamentos de acordo com as orientações médicas.
Maria também indica que alimentos e bebidas probióticos, como leite fermentado, kefir, kombucha e natto, ajudam a restabelecer a microbiota intestinal, contribuindo para um intestino saudável.