Mesmo afastado do Exército e tendo ficado preso por quatro meses, o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), recebeu de seu chefe a nota máxima atribuída aos militares pelo seu desempenho profissional em 2023.
O conceito, como é chamado internamente, é uma nota que varia de 1 a 6. Anualmente, cada oficial é avaliado pelo seu chefe direto, e o resultado é incluído na ficha do militar —sendo um dos critérios avaliados para as promoções ao longo da carreira.
Mauro Cid esteve de fevereiro a maio de 2023 no Comando de Operações Terrestres do Exército.
Ele foi designado para função no órgão após o comandante do Exército, general Tomás Paiva, atender a pedidos do presidente Lula (PT) e anular a nomeação do tenente-coronel para o comando de um batalhão de elite em Goiânia (GO).
O Comando de Operações Terrestres era comandado à época pelo general Estevam Theophilo, um dos alvos da Polícia Federal em investigação sobre uma suposta trama golpista entre o ex-presidente, auxiliares e militares.
O chefe direto de Cid era o general Alexandre Oliveira Cantanhede Lago.
Segundo fontes ouvidas pela Folha, a nota foi concedida pelo general por considerar somente o desempenho profissional do tenente-coronel no período em que ele atuou no Comando de Operações Terrestres —não contando, portanto, o tempo em que esteve preso ou afastado do cargo.
A nota 6 recebida por Cid o mantém em condições de disputar o posto de coronel, em abril. Na noite desta segunda (18), a coluna da jornalista Mônica Bergamo, da Folha, mostrou que o Exército bateu o martelo e decidiu não promover Cid a coronel.
Mauro Cid foi detido pela Polícia Federal em maio de 2023 sob suspeita de ter falsificado o cartão de vacinação de sua família —sua esposa, Gabriela Ribeiro Cid, e três filhas — e também de Bolsonaro e da filha mais nova do ex-presidente, Laura.
Cantanhede e Theophilo visitaram o tenente-coronel nos dois primeiros meses da prisão do militar, como mostram registros obtidos pela CPI do 8 de Janeiro.
Ele deixou a prisão quatro meses depois, em setembro, após o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), homologar o acordo de colaboração premiada fechado entre Cid e a PF.
Moraes, no entanto, determinou uma série de medidas cautelares para o militar, como a proibição de assumir cargo no Exército enquanto as investigações não forem concluídas e a necessidade de ele usar tornozeleira eletrônica.
Como a Folha mostrou, Mauro Cid concorre com os colegas formados na Aman (Academia Militar das Agulhas Negras) em 2000 a promoção para coronel, cujo ciclo será iniciado em 30 de abril.
O ex-ajudante de ordens de Bolsonaro é um dos militares mais bem posicionados em sua turma —e a nota máxima atribuída a ele em 2023 o mantém entre os oficiais capacitados para disputar a promoção por merecimento.
Além da boa nota do ano passado, Cid possui outros diferenciais na carreira. Ele foi coroado com o primeiro lugar do mestrado da Esao (Escola Superior de Aperfeiçoamento de Oficiais), prêmio que fica exposto em medalha em sua farda.
Ele ainda ficou entre os primeiros lugares nos cursos da Aman e da Eceme (Escola de Comando e Estado-Maior do Exército), considerado o doutorado militar.
O cenário de uma possível promoção de oficial-delator é inédito, e a cúpula do Exército avalia que a concessão da terceira estrela de fundo dourado para Mauro Cid geraria um desgaste desnecessário.
Cinco generais ouvidos pela Folha afirmaram que a promoção de Cid está descartada no início do ciclo das promoções. A turma do militar será promovida em três momentos: abril, agosto e dezembro.
Na primeira leva, cerca de 25% da turma será promovida a coronel —todos pelo critério de merecimento. As duas últimas vão promover 30% da turma cada, e Mauro Cid pode acabar sendo contemplado pelos critérios de antiguidade.
Apesar de Cid ser um dos cabeças da turma, com as melhores notas, oficiais contam que a Comissão de Promoções de Oficiais, colegiado composto por 18 generais, também avalia critérios subjetivos.
A pontuação de cada militar para a promoção por merecimento corresponde à soma de pontos da ficha de valorização do mérito, dos pontos da avaliação do desempenho no posto atual e dos pontos atribuídos pela comissão de promoção.
Por mais que Cid possa obter bons resultados na ficha de valorização de mérito e no desempenho no último cargo, os generais que integram a Comissão de Promoções de Oficiais podem reduzir a pontuação do tenente-coronel.
A expectativa na cúpula do Exército é que, conseguindo rebaixar Cid na classificação da turma, a Força ganhe mais tempo até a próxima promoção de oficiais, em agosto.
Se Cid for denunciado pelo MPF (Ministério Público Federal) até lá e se tornar réu, ele fica sub judice e tem a carreira congelada no Exército.
Em nota, o Exército disse que as notas atribuídas a militares durante a carreira “são considerados pela Comissão de Promoção de Oficiais como requisito para ingresso no Quadro de Acesso por Merecimento”.
“O Ten Cel Cid é da turma de formação da Academia Militar das Agulhas Negras, do ano 2000, cujos trabalhos de análise para a promoção do mês de abril, do corrente ano, estão em andamento”, concluiu.
O ex-ajudante de ordens de Bolsonaro já prestou quatro depoimentos no âmbito de sua delação premiada com a PF.
Ele revelou aos investigadores detalhes de reuniões de Jair Bolsonaro com aliados e militares, no fim de 2022. Em uma delas, em 7 de dezembro, o ex-presidente teria sondado os comandantes das Forças Armadas para um golpe de Estado após a derrota do mandatário na eleição presidencial.