Navegar pelas redes sociais significa se deparar com diversos mundos ideais. Para mulheres, alguns conteúdos podem reforçar padrões corporais difíceis de serem alcançados e, dessa forma, influenciar negativamente a visão que cada uma tem de si mesma. Em novo estudo, oito minutos no TikTok foram suficientes para que isso acontecesse.
A pesquisa analisou os impactos dessa plataforma na autoestima de 273 mulheres, a maioria delas australianas com idades entre 18 e 28 anos. No total, 126 foram expostas a conteúdos que tratavam explícita ou implicitamente sobre transtornos alimentares, como jovens restringindo sua alimentação e fazendo piada sobre isso, dicas para perder peso, mulheres magras exibindo o abdômen e também vídeos de inspiração para uma “vida fitness”, com sugestões de exercícios e sucos detox. Enquanto isso, o restante das participantes visualizou publicações relacionadas a natureza, culinária, receitas, animais e comédia.
Antes e depois do experimento, as participantes responderam questionários sistematizados para identificar a satisfação corporal e a internalização dos conteúdos visualizados. Aquelas que assistiram os vídeos que reforçavam padrões estéticos apresentaram a maior diminuição na satisfação com a imagem corporal e um aumento na internalização dos padrões de beleza da sociedade. Os resultados foram publicados na revista científica Plos One.
Para Elton Kanomata, psiquiatra do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, o contato rápido e com muitos conteúdos desse tipo faz com que o corpo magro pareça algo fácil de ser alcançado. O especialista ressalta ainda que o uso de filtros, muito comum nas redes sociais, também afeta a imagem que as mulheres têm de si e reforça padrões inalcançáveis.
“Essa situação gera muitas expectativas e estresse, o que pode acabar resultando em um transtorno mental, como o transtorno de ansiedade e depressão”, afirma. O especialista observa que existe ainda o risco de esses conteúdos servirem de gatilho para transtornos alimentares, como bulimia e anorexia. No estudo, porém, os pesquisadores afirmam que não observaram dados relevantes sobre a influência dos vídeos do TikTok no desenvolvimento desse tipo de problema de saúde.
O psiquiatra do Einstein aponta a necessidade de replicar a pesquisa em um público mais heterogêneo, ou seja, de diferentes nacionalidades. Além disso, ressalta a importância de mapear a existência de transtornos mentais (inclusive os ligados à alimentação) entre os participantes antes do experimento, uma vez que isso pode enviesar os resultados.
Particularidades do TikTok
Para os autores da pesquisa, o resultado é problemático, visto que oito minutos é um tempo pequeno quando comparado às duas horas diárias que as participantes relataram passar no TikTok.
“A rapidez com que o conteúdo do TikTok pode ser criado e consumido online também pode ser fundamental para seu impacto. Um usuário de mídia social pode assistir a mais de mil vídeos no TikTok em uma hora, criando um efeito reforçador que pode ter mais impacto do que o conteúdo de formato mais longo de um único criador”, escrevem os autores no estudo.
Segundo os pesquisadores, há duas características da plataforma que a torna mais perigosa que as outras em termos de saúde mental. A primeira é a falta de autonomia do usuário. Isso porque a principal página de acesso dos internautas é chamada #ForYou, ou, em português, #ParaVocê. Nela, o algoritmo sugere conteúdos de acordo com dados registrados de cada usuário, com o objetivo de chamar sua atenção e fazê-lo permanecer no aplicativo. Esses posts podem vir de qualquer perfil, e não só daqueles que o usuário segue.
Em comparação, outras redes sociais, como o Instagram, também oferecem esse serviço, mas a página principal de acesso é alimentada pelas publicações de perfis que o próprio usuário escolheu seguir. Dessa forma, as pessoas passam menos tempo na página “Explorar”, feita pela curadoria do algoritmo. No TikTok, acontece o contrário: a página #ParaVocê é a primeira da plataforma e onde os usuários passam maior parte do tempo.
O segundo ponto de atenção destacado pelos pesquisadores com o TikTok é o fato de que ele exibe ideais corporais em conteúdos explícitos sobre transtornos alimentares. Assim, interagir com vídeos de saúde e fitness pode levar à exposição não intencional a conteúdo sobre esses distúrbios.
Para Kanomata, há alguns pontos que devem ser trabalhados para evitar que as redes sociais tenham tamanho impacto na saúde mental das pessoas. O primeiro é a educação na infância e adolescência, a fim de desenvolver inteligência emocional e autoestima nas crianças e jovens. “Isso traria um melhor entendimento e uma maior aceitação do seu próprio corpo, fazendo com que eles não achem que precisam se moldar aos estereótipos”, opina.
Outro aspecto importante é o controle de horas gastas nessas plataformas. E, uma vez que seja observada uma evolução para o adoecimento mental, o psiquiatra enfatiza a importância do pleno acesso à saúde, para que a pessoa possa ter acompanhamento profissional.
Por fim, o especialista aponta a necessidade de regulação dos conteúdos, para que esses vídeos não sejam publicados e veiculados. “Mas eu acho que já é uma medida muito mais complexa e, talvez, difícil de ser realizada”, conclui.